Ainda maior do que era há seis anos, quando esteve no Brasil pela última
vez, Bruno Mars chegou validado por superlativos: único artista escalado duas
vezes e em dias nobres para a temporada; maior cachê já pago pelo empresário
Roberto Medina (calcule todas as atrações das nove edições do Rock In Rio no
Brasil e uma outra dezena lá fora); e atração que mais rápido esgotou
ingressos.
Mars tem sua personalidade construída por uma colagem de bons ídolos: Elvis
(quem ele imitava aos 4 anos de idade, ainda no Havaí), Michael Jackson (quem
ele tenta imitar até hoje, aos 37), Little Richard (quem ele nem ninguém nunca
conseguiu, de fato, imitar) e Prince (que salvou sua persona por fazê-lo
acreditar que uma imitação aqui seria possível).
Mas não importam as referências, e sim o que se faz com elas. Bruno Mars chegou
para liquidificá-las todas em um show cheio de estímulos (cores, figurinos,
coreografia) e uma musicalidade de muitas faces que poderia confirmá-lo como um
ponto evolutivo fora da curva ou como um simulacro validado pela falta de
referência histórica de sua plateia. Afinal, quem é Bruno Mars?
Bruno Mars são todos esses, e mais alguns. Antes do show, ele usa uma coroa
dourada como símbolo em uma cortina gigante que cobre o palco. Quando o show
começa, sob muita pressão do funk 24k Magic, a cortina cai para que luzes azuis
explodam na plateia. "Tô aqui, São Paulo", grita duas vezes. E canta
Finesse, um R&B de baile old school, elegante e cool, 1970 e 2023.
"Hey, babe, it’s me, Bruninho", diz ele, individualmente para as 100
mil pessoas presentes.
Mars usa a estratégia do choque contínuo e incessante. Por ter uma hora ou um
pouco mais de show, deixa o fogo alto o tempo todo, e as coisas não param de
acontecer. Ele pede que todos batam palmas e faz começar um soul chamado
Treasure.
E aqui é hora de reconhecer algo: à sua frente estão pessoas de 16 a 20 anos
ouvindo canções de 1970 (espiritualmente falando) que, por sua mediação, podem
chegar aos originais Marvin Gaye, Otis Redding e Smokey Robinson. Pense nas
almas salvas de Luisa Sonza e Post Malone. É algo bem sério.
Mas Bilionaire negocia sua própria alma soul com a do hitmaker que busca a
dimensão do popstar. E é justamente onde Mars começa a ser mais ele e deixa de
ser cânone de seus ídolos. Sua voz vibra limpa nas regiões quase inexploradas
de Stevie Wonder e Michael Jackson. Algo muito alto para os homens, e nada é
feito por falsetes.
Curioso como suas escolhas oscilam entre a velha escola da música preta de seu
país e canções tão superficialmente felizes, como Marry You. Mas é isso que
parece aumentar seu raio de alcance. Runaway Baby, que vem na sequência, é um
rock and roll de peso que vira funk e emula outro ídolo, James Brown. Ele dança
muito, canta e mantém a temperatura alta.
Só ao piano, Mars faz uma série de canções. Young, Wild and Free, Talking to
the Moon, Nothing On You e Leave The Door Open. Faz tudo rápido, curto,
concentrado, e consegue a maior conexão com sua plateia. Chega a When I Was
Your Man e, comovido pela resposta da plateia, faz a canção inteira.
E então vem a surpresa. O tecladista de Mars toca ao piano Evidências,
conhecida com Chitãozinho e Xororó, e deixa a plateia cantar, do início ao fim.
Mars termina sua longa sessão solo e chama a banda de novo para Locked Out of
Heaven e Just The Way You Are. Ele volta e finaliza com Uptown Funk!
E afinal, quem é Bruno Mars? Livre para fazer o que entender, Mars, um pouco
por exclusão, um pouco por talento puro, é um dos melhores artistas de sua
geração. E fez o melhor show deste festival.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Redes sociais/ Instagram